terça-feira, 27 de janeiro de 2015

Tirar proveito das crises

Saibamos tirar proveito das crises. Evitemos ser mesquinhos, e saibamos tirar benefício das crises, das catástrofes, dos dramas e dos diversos naufrágios. Ao longo da minha vida, cheguei à conclusão de que as catástrofes existem para nos evitar o pior. E o pior, como poderei exprimir o que é o pior? O pior, é ter tido a infelicidade de ter atravessado a vida sem naufrágios, é ter ficado à superfície das coisas, ter dançado no baile das sombras, ter patinhado no pântano do diz que disse, das aparências, e nunca ter sido precipitado numa outra dimensão. As crises, na sociedade em que vivemos, são realmente o que ela tem de melhor – mesmo correndo o risco de nos projectarem, sem estarmos preparados para isso – para entrarmos na outra dimensão. Na nossa sociedade, toda ambição, toda a concentração está em desviar a nossa atenção de tudo aquilo que é importante, criando-se um sistema de arame farpado, de proibições para não podermos ter acesso à nossa profundidade.

Trata-se de uma imensa conspiração, da mais gigantesca conspiração de uma civilização contra a alma, contra o espírito. Numa sociedade onde tudo está fechado, onde os caminhos para entrar na profundidade não são indicados, existe apenas a crise para podermos quebrar os muros à nossa volta. A crise serve de certo modo como arma para arrombar as portas dessas fortalezas onde nos mantemos encarcerados, com todo o arsenal da nossa personalidade, tudo aquilo que pensamos ser.

…Somos todos especializados em esquivarmo-nos, em desviarmo-nos, ou no «divertimento» tal como o via Pascal. Mas, no fundo, há apenas esta possibilidade de, subitamente, dizermos: «Sim, mas tudo isto, tudo o que me aprisiona, tudo o que me estrangula, sou eu!»

                                                                              Christiane Singer

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